terça-feira, 15 de julho de 2008

Acrilic on canvas


"Quando acaba a música apenas fica o ruído

da cidade, o vazio incomensurável da noite.
Desejaria o nada-mais antes que a tua ausência."

(Raimon Gil Sora in: Mounir Troudi)



O inverno chegou um pouco mais tarde naquele ano e muito mais intenso em minha alma, esboço da sala mal iluminada pela claridade de um e outro relâmpago da tempestade que era densa e melancólica, e eu imersa na penumbra me punha a rabiscar um futuro que não existia embora eu esperasse, metáfora do homem solitário que se senta todos os dias no mesmo lugar de sempre a desenhar o corpo nu da mulher que não encontrou e minha alma era desespero e a solidão de um cachorro faminto abandonado à própria sorte nas gélidas ruas da cidade sombria e vazia, e a impotência, a impassibilidade dilaceravam meu coração, e porque à vida lhe agrada amargar o sentido íntimo das coisas o futuro era fosco como a névoa espessa e a fumaça do café perdia-se no escuro apontando a incerteza dos dias de tempestade que viriam.

Desejava fugir, queria ser como um eletrodoméstico com botões, luzes e off, mas a realidade ameaçadora advertia-me como as gotas da chuva na vidraça naquela noite de domingo que foi a mais fria, escura, negra, solitária, aterradora e vazia...

E ainda que em minhas recordações de infância não houvessem bicicletas enferrujadas e mais solidão que antes, consegui encontrar em tua compreensão um espaço íntimo para as minhas plantas e toda a minha desolação e te amei porque me fizeste perceber que éramos dois a ver o cartaz de fechado porque estávamos do lado de dentro, e que para transformar as coisas bastava abrir a porta, sair e enfrentar o temporal.

Hoje faz um ano que encontrei a tua solitária companhia e enquanto escrevo os meus dedos rebuscam a tua pele branca contrastada no azul dos lençóis, e felizes em nossa solidão queda a certeza de que somos dois a contradizer o temporal.

Link

Nenhum comentário:

Shows em Barcelona