quinta-feira, 17 de abril de 2008

Farewell


"Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar."

Cecília Meireles. in. Romanceiro da Inconfidência.



Foto: Raimon Gil. Em Girona, Espanha


Ao voltar aqui encontrei as coisas exatamente como quando saí. Contraditoriamente, o nada mudou destes vinte anos, agora é todo diferente no ínfimo intervalo de cinco meses.

A cidade que vive no passado com suas mesmas ruas de pedra, agora menores desde o tempo em que eu era criança, a mesma escola onde minha mãe sempre trabalhou, a mesma casa onde cresci e as mesmas pessoas, algumas envelhecidas, outras já crescidas, as mesmas do tempo em que eu era criança e sonhava com a justiça e Rocinante era uma bicicleta vermelha e grande para meu corpo minúsculo.

A chuva tem o mesmo cheiro de há vinte e cinco anos atrás e as ruas o mesmo ruído dos passos sem pressa das pessoas.

Em outro extremo de minhas abstrações, os meus livros na estante exatamente como estavam antes de eu partir acumulando a poeira dos cinco meses de minha ausência fazem companhia àse minhas roupas e sapatos, bijuterias e bolsas.

Por que sinto-me uma estrangeira nesta que deveria ser a minha casa? Meu país? Minha família? Talvez porque a sagacidade é uma faca de dois gumes, e permite perceber a crueldade, a maldade da alma humana. Enganar-se.

Voltar aqui me provoca a solidão de ser adulto. As ruas são estreitas e as distâncias são distintas: as ruas menores aproximam os pontos, e as pessoas maiores distanciam os sentimentos.

Meus olhos já não vêem mais tantas crianças e flores, apenas espectros e recordações dolorosas de frustração em todos os espaços e sentimentos são mais intensos e doloridos agora que pude enfim, dar-me conta da real distância, que mais que física é aquela que sentimos quando estamos perto e nos sentimos longe.

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