quinta-feira, 19 de junho de 2008

Álbum de família


"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre (...)
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."

Mario Quintana. Espelho. In: Jornal de poesia.


Foto: Raimon Gil

"Sempre tenho saudade do tempo em que as únicas preocupações que tínhamos eram estudar pra passar de ano, que sequer entendíamos de que nos serviria isso tudo (e de fato, em partes ainda não o sei) e ser educada e obediente aos pais porque era como eles nos diziam que deveríamos ser... Do tempo em que os anos à frente pareciam infinitos...

Crescer é um mal necessário que nos torna cada vez mais solitários e presos ao nosso pequeno mundo de aparências, onde a companhia de uma borboleta já não preenche o vazio da solidão e a vida já não é uma folha de papel em branco onde podíamos ser os gigantes invencíveis e de bom coração de nossa própria história

Perdemos o olhar inocente e a capacidade de passar horas deitados na grama, a soprar aquelas flores delicadas que se espalham com o vento, a observar cada pedacinho até desaparecer completamente. Hoje desprezamos a beleza dos versinhos prontos e sinceros que eram escritos por nossos queridos e admirados nos “cadernos de recordações” (ainda tenho o meu).

Somos todos feitos da mesma matéria putrefata de aparência e civilidade. Ainda vivo a mesma vida medíocre que a tua, tentando ser atenciosa a todos. Não sei se vale à pena, mas é o que nos domesticaram a fazer...

Sei que desagrado tentando agradar, sou assim, sempre metendo os pés pelas mãos, e peco tentando ser e fazer feliz, mas um dia lograrei sem ferir a ninguém, estou certa...

Ou como mínimo nutro a esperança de fazê-lo, e as lembranças e a saudade que me impulsionam..."


quarta-feira, 11 de junho de 2008

Canção do Exílio

“Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras (...)

morremos de morte igual
mesma morte severina"

(João Cabral de Melo Neto. In. Morte e Vida Severina pg.71. 21ª ediçao. Jose Olimpio Editora. Rio de Janeiro, 1.985)



Foto: Raimon Gil. Exposiçao Sertanismo-Mario de Andrade no Centro Cultural Vergueiro em Sao Paulo, Brasil. Março/2.008

Hoje no caminho de volta à casa conheci um estrangeiro, como eu. Depois de alguma conversa, marcamos de encontrar-nos dia desses para um tererê, falar de nossa gente e de nossa terra.

Entretanto um momento de nosso encontro marcou-me profundamente, e ainda guardo as palavras emolduradas pelo olhar lacrimoso, perdido e saudoso de um homem que permite-se tal "extravagância", e repetem-se em minha mente como que a convencer-me da grande verdade, despertando-me um sentimento há muito extinto, mas íntimo e pessoal, e que me há moldado a ideologia de vida; a dor compartida e pungente da identificação, do encontro consigo mesmo no outro: “Longe de nossa terra não somos ninguém, filha. Aqui não somos gente...”

A filosofia brota da experimentação de quem se permite sentir a dor de viver. Da experimentação nascem as descobertas, daí o aprender que é o que nos faz crescer, mas “o que” aprendemos é o que realmente diferencia-nos das demais pessoas.

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