segunda-feira, 26 de maio de 2008

Rodhes



“Aquele que nunca comeu seu pão em dor,
Aquele que nunca passou as horas da noite
Chorando e esperando o amanhecer,
Não vos conhecem, ó poderes celestiais!”

Goethe. Fausto. [Trad] Jenny Klabin Segall. Ed. Itatiaia. Belo Horizonte, 1987

Foto: Cíntia Araújo por ela mesma via webcam.


Lembrar do teu sorriso forçado esboçado no rosto tentando disfarçar a tristeza nos olhos molhados que eu furtivamente podia ver através dos óculos escuros, escutando escutando o teu coração disparado, o silêncio ensurdecedor, e a tristeza que falava por nós enquanto o carro nos conduzia ao destino final. Buscávamos nossas mãos num desespero para tentar minimizar a dor da separação iminente que sentíamos e expressávamos sem precisar dizer-nos nada e tuas palavras a me consolar, como se as repetisse para você mesma tentando acreditar nelas; “vai passar logo... em pouco tempo estaremos juntas outra vez” me arrancam os sentimentos mais tristes, os gritos mais terríveis da alma nesta tarde fria de primavera.
A triste beleza nostálgica dos pingos de chuva se desmanchando no vidro da porta, o piano triste de fundo e a imagem das flores lutando para renascer, para absorver a chuva que cai, para sobreviver das profundezas ao que restou do inverno se parecem com minha alma que tenta agarrar-se à esperança semi-apagada dos teus olhos no aeroporto na nossa despedida.
Me sinto como o Colosso de Rodhes, projeção do deus Hélio a quem foi impetrado o cruel destino de guardar duas terras, ainda que belo, impetuoso e majestoso por fora, triste, amargurado e desgraçado por dentro diante do trágico destino da privação da escolha, fadado a manter-se em pé, em atitude altiva e reverente vida afora, demonstrando força, orientação, guia, guarda...
Rogo cada dia que os deuses atendam meu pedido, e que eu possa finalmente juntar as duas metades de minha alma na mesma terra, no mesmo chão, que no final de tudo é o que menos importa.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Mas só quando cruzo a Ipiranga e a avenida Sao Joao...



“Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto...
A chuva miúda é vazia... A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer cousa como leitos para as naus!... Absorto
Em se alhear de si.”

PESSOA, Fernando. Hora Absurda, in Poemes de Fernando Pessoa. Edició Bilingüe pg.26. Ed. Quaderns Crema. Barcelona, 2002


Fotos: Viagem ao Brasil. Março/2.008

Pelas ruas vazias, sob a garoa fina sigo caminhando sem ter um destino certo.
A cidade jamais antes fora tao imensa para mim, e hoje é como um grande oceano revolto, e eu, um barco à velas levado ao sabor dos ventos de tua vontade sigo lutando para não sucumbir às vagas furiosas... A noite negra jamais havia sido tao escura e a cegueira apavora-me, desespera-me.
Sigo caminhando. Não sei onde nem se desejo chegar a algum lugar, talvez apenas dispersar a solidão que me incendeia a alma e que a garoa pungente e discreta como teu sorriso lave de minha alma a desesperação da saudade e leve consigo o fantasma da distância que me atormenta como um demônio dantesco.
Tudo é solidão em São Paulo. Prostitutas vendem minutos de companhia a homens desesperados. Moradores de rua dividem seu pouco alimento com caes que, tal qual seus amos sequer ousam dirigir-nos o olhar, um ou outro caminhante que volta lentamente ao seu destino, pois ao certo ninguém o espera e meninos que drogam-se buscando uma familia em suas alucinaçães. As multidões buscam-se desesperadamente estão completamente sozinhas entre seus medos e histórias.
E eu... Eu busco os teus olhos que um dia refletiram minha admiração sob o brilho das luzes do edificio dos Correios. Busco a tua poesia na noite fria e chuvosa e teu sorriso, encantado como uma criança ante o realejo e os repentistas que já não tem a mesma beleza.
Procuro os sorrisos e a felicidade que senti ao teu lado, mas não encontro em nenhum lugar dentro ou fora de mim.
Volto aos lugares onde estivemos, refaço as cenas, revivo as coisas, mas nada é igual.
Quando por um segundo as buzinas param ouço ao longe um piano triste. Entendo, finalmente, que minha felicidade não está nas coisas que vimos ou vivemos, mas em que elas venham refletidas à luz de teus olhos. A felicidade está no teu amor que me faz grande, imensa e profunda como a dor da gélida saudade nesta noite fria e solitária de São Paulo, que é maior e mais agonizante sem você.

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